Mesmo sem dados oficiais, a Secretaria do Desenvolvimento Agrário confirma grande prejuízo nos primeiros plantios
O espectro da seca começa a rondar os lares pobres do sertão como ave de mau agouro, antevendo um período de dificuldades. No campo, onde o agricultor plantou, junto com as sementes de arroz, feijão e milho, a esperança de uma boa safra, o quadro é desolador. O feijão está morrendo antes da colheita das primeiras vagens. O milho, soltando o pendão, está murchando. O arroz morre de sede e sol. Conforme levantamento feito pelas Sucursais no Interior, já são 63 municípios que registram veranicos e plantios comprometidos devido a seca verde. Equivale a 34,23% do total de cidades no Estado.
Na região de Porteiras e Brejo Santo, a perda é quase total. O pouco legume que sobreviveu, não tem sustentabilidade. Mesmo com a continuidade das chuvas, a colheita está comprometida, lamenta o agricultor Osvaldo Moraes, residente na Vila Palmeirinha, distrito de Ponta da Serra.
A paisagem do Cariri está verde. Os grandes açudes estão com mais da metade de sua capacidade, mas não existe perspectiva de safra. Por enquanto, não tem faltado pasto e água para o gado. É a "seca verde" que dá impressão de que há chuvas, diante da paisagem verde, mas as plantações não apresentam sustentabilidade, devido aos veranicos registrados na região. Esta realidade é confirmada pelo coordenador regional da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará (Fetraece), Francisco Alves. Ele explica que ainda não foi feito um levantamento do índice de perda mesmo porque, segundo avalia, a maioria dos agricultores nem sequer plantou. Porém, quem já se antecipou com o cultivo das primeiras lavouras, perdeu tudo. Muitos, entretanto, ainda estão esperando o início do inverno.
Prejuízo grande
De acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recurso Hídricos (Funceme), as chuvas registradas no Cariri estão abaixo da média. No mês de fevereiro, por exemplo, foi 67,5% abaixo da média que é de 183mm. Um dos menores índices ocorreu no município de Lavras da Mangabeira, apenas 13mm. No posto de coleta do Sítio Cuncas, em Barro, a Funceme anotou 15 milímetros.
O coordenador do Programa Hora de Plantar, da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, Itamar Lemos, informou que ainda não tem uma avaliação do índice de perda, mas admite que o prejuízo seja grande. O índice de chuva no Ceará no mês de fevereiro, segundo Itamar, ficou 77% abaixo da média. "Porém, só o governador e o secretário têm condições de anunciar que é uma seca verde ou pior ainda", arrematou.
Quem acreditou nas primeiras chuvas, perdeu tempo e dinheiro. É o caso do pequeno produtor Edval Jerônimo da Silva, que plantou cinco hectares de arroz no Sítio Malhada. Ele diz que o prejuízo só não foi maior porque procurou alternativa. Ao lado da roça de arroz, plantou pimentão, que está sendo irrigado com as águas do Rio Carás, com o auxílio de um motor bomba. Edival explica que o pimentão tem mercado e preço.
Os trabalhadores sem terra, que ganham uma diária de R$ 20,00 estão antevendo o agravamento da crise a partir do dia 19 de março, dia de São José. Se não chover nesta data, a seca está caracterizada. A observação é feita pelo agricultor Osvaldo Moraes, esclarecendo que, até o momento, não existe perspectiva de safra.
É a repetição do mesmo drama do passado, quando multidão de nordestinos deixava o torrão natal em busca da sobrevivência no Sul do País, uma odisséia nordestina descrita pelo poeta Patativa do Assaré na letra da música "A Triste Partida", interpretada por Luiz Gonzaga. A diferença, segundo o secretário do Sindicato dos trabalhadores Rurais do Crato (STR), Zilcélio Ferreira, é que eles agora viajam de ônibus com emprego certo e data marcada para voltar. "Mas o sistema de escravidão é o mesmo".
Ele defende a implantação de políticas agrícolas para fixação do homem na terra. Uma delas é a construção de agrovilas na zona rural, com assistência médica e hospitalar. Esta, segundo ele, é a sugestão dos sindicatos rurais para a convivência com a seca no semiárido. "Do contrário, vamos morrer sem aprender a conviver com um fenômeno que desafia os governos".
PREJUÍZOS
Primeiros plantios foram perdidos
Mesmo sem nenhum dado oficial sobre as perdas das plantações devido à falta de chuvas até agora, no Sertão Central é fácil encontrar pequenos lavradores lamentado quebras nas safras. Quem resolveu apostar nas chuvas da pré-estação começa a amargar os prejuízos. As culturas de milho e feijão dão sinais de insustentabilidade diante dos veranicos. Se o quadro meteorológico não mudar nos próximos dias não haverá mais como recuperar os plantios. Não vale a pena arriscar, segundo afirmam.
Conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Quixadá (STTRQ), Eronilton Buriti, o quadro ainda não é desesperador. A maioria dos mais de seis mil associados aguarda pelo Dia de São José, 19 de março. Muitos estão com esperança na chegada do inverno. No ano passado, as chuvas de janeiro e fevereiro foram boas, mas já havia receio de não se sustentarem novamente este ano. A situação é praticamente a mesma em todo o Sertão Central.
A falta de chuvas também está preocupando os agricultores da Zona Norte do Estado. Sem chuvas na maioria dos municípios da região, as esperanças de alguns agricultores com relação a uma boa colheita são desanimadoras. Alguns agricultores aproveitaram as primeiras chuvas do ano para plantar, mas a água foi pouca. Diversas plantações de milho e feijão já estão secando por falta de chuva.
A agricultora Maria das Graças foi uma das que aproveitou as primeiras chuvas de janeiro para plantar alguns hectares de milho e feijão.
Segundo ela, a chuva fez germinar bem as sementes, mas com a escassez de água diante da falta de chuvas, o trabalho poderá ficar perdido. Sem água, quem plantou poderá perder.
Maria das Graças foi ao roçado no domingo e ontem. Para tentar salvar o que plantou. Está encontrando uma alternativa, com a utilização de uma pequena mangueira que puxa até o roçado. "Se o inverno fosse bom, com certeza, já teria comido milho. No entanto, a situação é essa, terra seca e sem prenúncio de chuva".
Cautela
Técnicos da Ematerce estão muito cautelosos com relação à situação e evitam comentar sobre a irregularidade climática. No início das chuvas, eles chegaram a orientar os agricultores para não serem surpreendidos com veranicos. "A orientação foi para que a distribuição das sementes do Hora de Plantar acontecesse sóem fevereiro para evitar o plantio de forma precipitada", disse Jander Albuquerque, gerente Regional da Ematerce em Sobral.
VERANICOS
34,2
pontos percentuais é o equivalente aos municípios atingidos pela seca verde no Estado do Ceará, diante do total de 184 cidades. Caso os veranicos continuam, o percentual deverá crescer
MAIS INFORMAÇÕES
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Ceará, no Crato: (88) 3521.1946; Secretaria de Desenvolvimento Agrário: (85) 3101.8002