A tomada da capital por opositores ao ditador líbio causou a divulgação de reconhecimentos do novo governo.
Insurgentes líbios comemoravam a vitória, apesar de o ditador Muammar Kadafi, 69, ainda não ter se rendido. Seus aliados mantinham controle sobre áreas de Trípoli, mostrando alguma resistência às forças rebeldes, já aceitas pelas principais potências mundiais como legítimos senhores da Líbia e das suas riquezas petrolíferas.
Ontem, o Secretário-Geral da Liga Árabe, Al Araby, reconheceu o novo governo. A queda de Kadafi também foi reconhecida pela Tunísia, pelo Egito e pela Autoridade Palestina. A tomada de Trípoli por opositores ao ditador causou a divulgação desses pronunciamentos.
Dois dias após as primeiras incursões rebeldes na capital, que se somavam a uma rebelião dentro da cidade, tanques e franco-atiradores do regime parecem dominar apenas pequenas áreas, inclusive o complexo governamental de Bab al Aziziya.
O paradeiro do próprio Kadafi é desconhecido. Mohammed, o filho mais velho de Kadafi, fugiu de sua residência em Trípoli após ter sido cercado por forças rebeldes.
Saif al Islam, o filho do líder líbio que os rebeldes e o Tribunal Penal Internacional disseram que estava preso, chegou nas primeiras horas de terça-feira (horário local) ao hotel de Trípoli onde repórteres estrangeiros ficam. Segundo o correspondente da BBC Matthew Price, Saif disse a outro jornalista que o pai estava seguro e bem em Trípoli: "claro".
Já a Al Jazeera disse que três filhos de Kadafi foram capturados, mas um deles - Mohammed - conseguiu fugir. Um quarto filho, o comandante militar Khamis, teria sido morto, e seu corpo teria sido achado junto com o do poderoso chefe de inteligência Abdullah al Senussi. A emissora árabe não identificou as fontes dessas informações.
Primavera Árabe
Os civis, que no domingo saíram às ruas para celebrar o fim da ditadura, passaram a segunda-feira dentro de casa, assustados com as explosões e as rajadas de metralhadoras, num dos mais intensos combates da chamada "Primavera Árabe", uma onda de rebeliões que vem alterando o cenário político do Oriente Médio nos últimos meses.
Correspondentes da Reuters testemunharam tiroteios e confrontos com armas pesadas, inclusive canhões antiaéreos, enquanto os rebeldes tentavam eliminar franco-atiradores. Aparentemente, centenas de pessoas foram mortas ou feridas desde o último sábado.
Em seu último pronunciamento, num áudio transmitido no domingo, em tom desafiador, antes de a emissora estatal de TV sair do ar, Kadafi disse que permaneceria em Trípoli "até o fim". Havia rumores de que ele buscaria refúgio em sua região natal, nos arredores da cidade de Sirte, ou no exterior. Faz dois meses que ele não é visto em público.
Uma fonte oficial dos EUA disse não haver sinais de que Kadafi teria fugido da Líbia. Seu primeiro-ministro apareceu na Tunísia. Ontem, mais embaixadas líbias hastearam a bandeira tricolor dos rebeldes, no lugar da que representava o regime iniciado em 1969.
Manifestações
6 meses atrás começaram os grandes protestos contra o ditador Muammar Kadafi. O país é um dos que passam pela chamada "Primavera Árabe"
DIPLOMACIA
Itamaraty avalia como reconhecer rebeldes
O Itamaraty está consultando os principais parceiros internacionais para avaliar o reconhecimento do governo rebelde na Líbia.
De acordo com Tovar Nunes, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, ainda não há posicionamento oficial em relação ao tema.
Segundo o Ministério, o Brasil está "colhendo mais elementos" com membros do fórum IBAS (Índia, Brasil, África do Sul), do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e da Liga Árabe para que então o País se posicione.
O embaixador líbio no Brasil, Salem Zubeidy, deixou a embaixada em Brasília na tarde de ontem. O local está ocupado por diplomatas contrários a Kadafi e líbios radicados no Brasil. Zubeidy ainda ocupa a residência oficial do embaixador.
A bandeira da oposição foi hasteada na embaixada. A troca de bandeiras foi feita na noite de domingo, após a capital Trípoli ter sido tomada pela liderança contrária ao ditador Muammar Kadafi. A bandeira da Líbia de Kadafi foi jogada no lixo, junto com camisetas, cartazes e fotos do ditador.
De acordo com Adel Swasy, diplomata líbio, ainda que o embaixador no Brasil, Salem Zubeidy, seja pró-Kadafi, a bandeira rebelde foi mantida. "Isso aqui se chama terra líbia, não terra do embaixador", disse Swasy.
Os líbios contrários a Kadafi se mostraram insatisfeitos em relação ao posicionamento brasileiro - em especial, do ex-presidente Lula - de defesa da soberania do regime do ditador.
"Avisem o Lula para pegar suas armas e ir defender seu a amigo do peito, que precisa da sua ajuda. E o embaixador da Líbia no Brasil está buscando asilo na Venezuela", ironizou o líbio Sadq Jamal.
SANÇÕES COMERCIAIS
Novo governo líbio pode punir o Brasil
A petroleira líbia Agoco indicou que Brasil, Rússia e China poderão ficar de fora dos negócios do país no novo governo
A hesitação do governo do Brasil em condenar o ditador da Líbia, Muammar Kadafi, pode custar bilhões às empresas brasileiras.
O porta-voz da petroleira líbia Agoco, que se aliou aos rebeldes, indicou ontem que Brasil, Rússia e China poderão ficar de fora dos negócios do país no novo governo.
A resposta dos rebeldes é resultado da decisão desses países de se abster sobre as sanções contra Kadafi.
A Petrobras extrai petróleo no mar da Líbia desde 2005, quando venceu uma licitação para ser sócia na exploração no noroeste da costa do país, no mar Mediterrâneo. A empresa confirmou hoje que suas atividades na Líbia estão suspensas e, em nota, limitou-se a comentar que segue acompanhando a situação no país.
Além da petroleira, três construtoras atuavam na Líbia quando a onda de revoltas chegou ao país: Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. A Odebrecht tinha 2,3 bilhões de euros (R$ 5,3 bilhões) em contratos. "Nós não temos problemas com os ocidentais, como as empresas italianas, francesas e inglesas. Mas nós podemos ter alguns problemas políticos com Rússia, China e Brasil", disse Abdeljalil Mayouf, porta-voz da petroleira Agoco.
Apesar do avanço dos rebeldes sobre a capital líbia, o Brasil ainda não reconhece a formação de um novo governo pelos rebeldes. O porta-voz do Itamaraty, Tovar Nunes, disse ontem que o Brasil vai reconhecer o embaixador líbio em Brasília, Salem Zubeidy, aliado do ditador, enquanto não houver uma comunicação oficial da Líbia para que o diplomata seja "desacreditado". Com a perspectiva de novas oportunidades de investimento na Líbia, as ações da petroleira italiana Eni subiram 6,3% ontem. O preço do petróleo tipo Brent caiu 0,11% em Londres, com a perspectiva de aumento da oferta.
Embaixada
Um grupo de líbios que vive no Brasil cobrou do governo brasileiro o apoio ao governo de transição da Líbia.
A batalha para tomar o controle do principal complexo de Kadafi em Trípoli promete ser feroz, mas qualquer um que estiver do lado de dentro tem pouca chance de escapar, disse um porta-voz dos rebeldes à televisão Al Jazeera ontem.
Regime de Kadafi
Em 1969, um golpe militar liderado por Kadafi depõe a monarquia, nacionaliza o setor de petróleo e instala uma ditadura militar. A tradição islâmica e o nacionalismo tornam-se ideologia de Estado. O governo é acusado de patrocinar ações terroristas.
Tensão com os EUA - Na década de 1980, os EUA impõem sanções econômicas e, em 1986, bombardeiam Trípoli e Benghazi. Dois agentes líbios são responsabilizados, em 1991, pelo atentado a bomba que explodiu um jato da Pan Am em 1988. O avião caiu em Lockerbie, na Escócia, matando 270 pessoas.
Isolamento - Para aliviar as pressões externas, Kadafi dá início a privatizações e tenta abrir a economia ao capital estrangeiro. Reage também ao fundamentalismo islâmico: em 1993 rompe com o Irã, que apoia grupos extremistas líbios. Em 1998, Kadafi sobrevive a um atentado do grupo Movimento dos Mártires Islâmicos.
Fim do embargo - Em 1999, a Líbia aceita o julgamento dos acusados pelo atentado de Lockerbie. A ONU cancela o embargo
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