Após esfriamento de laços no governo Lula, os dois países buscam iniciar fase de reaproximação
Baracak Obama chega ao País numa antecipada corrida eleitoral em que tenta traçar acordos diplomáticos e comerciais para retomar a confiança dos eleitores norte-americanos
A chegada, hoje, do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil é carregada de simbolismo para os dois países, que são antigos parceiros culturais e diplomáticos.
Após dois anos de mandato, o primeiro desembarque do líder dos EUA no País - escala inicial de uma viagem que o levará ao Chile e a El Salvador, mas não à Argentina - é um reconhecimento da importância do Brasil como líder na América Latina e da união dos duas nações diante do surgimento de novas polarizações internacionais.
Os brasileiros esperavam uma visita desde que Obama assumiu o poder, em janeiro de 2009, mas a expectativa da viagem foi ficando cada vez mais distante, em meio a um certo esfriamento nas relações durante os últimos anos do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Ele deveria ter visitado a América do Sul e Central ainda no primeiro ano de mandato, mas a desculpa foi a preocupação com a economia americana. Em 2010, a desculpa foi não aparecer agindo em apoio à Dilma. Deu a impressão de que a América Latina foi esquecida pelo presidente Obama", avaliou o professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer.
Para os analistas, o encontro histórico de Barack Obama, o primeiro negro a chegar ao topo em Washington, e Dilma Rousseff, a única mulher a ocupar o cargo mais elevado do Palácio do Planalto, será o passo inicial para amenizar os atritos recentes entre Washington e Brasília.
WikiLeaks
O próprio site WikiLeaks revelou, no ano passado, documentos secretos em que o governo dos Estados Unidos via o Itamaraty como um adversário, com inclinações antiamericanas que evitava "uma cooperação próxima em assuntos policiais e militares importantes" para os EUA.
No governo Lula, a quem Obama chamou de "o cara", a relação entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto ficou estremecida devido a posições divergentes em temas como a crise em Honduras, disputas comerciais e, principalmente, o programa nuclear do Irã. Com a posse de Dilma Rousseff, criou-se a expectativa de um recomeço nas relações bilaterais.
Há sinais claros da própria presidente brasileira que indicam uma reaproximação entre as duas nações. Em entrevista ao jornal americano Washington Post, em dezembro do ano passado, Dilma deixou claro que nem todas as posições de seu padrinho político serão as de seu governo.
"Depois de certa indiferença de Lula em relação a Obama, Dilma e seu chanceler parecem ter mais interesse na relação estratégica dessa relação. E os norte-americanos já conhecem isso. Bom para os dois lados", avaliou o presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais e professor da Universidade de Brasília (UnB), Flávio Sombra Saraiva.
Obama e Dilma vão se encontrar em um momento em que dois outros assuntos mobilizam a comunidade internacional: o conflito entre governo e oposição na Líbia e a crise nuclear no Japão, depois do terremoto que atingiu o país no último dia 11 e deixou milhares de mortos.
O especialista acredita que o diálogo entre os dois líderes será fundamental para a redirecionamento do Brasil na diplomacia internacional. Para ele, não foi tão negativa a participação do governo brasileiro em assuntos que não eram tradicionais da nossa seara, como a questão nuclear, porque de certa forma isso abriu os olhos das outras nações para o surgimento de um novo líder mundial.
"Os norte-americanos esperam também ouvir o ângulo que a presidente Dilma quer dar ênfase que é a falta de atenção aos direitos humanos no Irã. Bom para aos dois países a eventual sinergia de interesses e valores nesses grandes temas das relações internacionais dos novos tempos", disse Sombra Saraiva.
Conselho de Segurança
Os brasileiros também gostariam de ouvir de Obama uma manifestação pública de apoio ao País como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a exemplo da oferecida à Índia, no ano passado.
O governo brasileiro tem buscado consolidar uma diplomacia independente e participar mais ativamente em questões globais, e um apoio público de Obama a uma vaga permanente no CS seria vista como a consolidação desse novo papel.
Para David Fleischer, ainda que discreto, Obama deve acenar de forma positiva ao sonho brasileiro. "Obama já apoiou esta mesma aspiração por parte da Índia. Parece que ele vai sinalizar esse apoio à Dilma, mas talvez não se manifeste publicamente agora - e talvez no futuro próximo", disse.
O Brasil deve recuperar, ainda, o diálogo com os EUA em matérias comuns, como no que tange ao comércio internacional, o tema das patentes, a elevação da China, a cooperação com os países mais pobres e a discussão sobre o desenvolvimento de novas energias.
"Nenhum desses temas têm peso no mundo sem a aquiescência norte-americana. O Brasil ainda precisa dos americanos para navegar nas águas turvas de um mundo incerto e os Estados Unidos não são mais o gigante de antes. Os dois têm a ganhar", disse Sombra Saraiva.
Apesar de a visita marcar a possibilidade de avanço nas relações, a expectativa não é a de que os dois países passem a concordar em todos os temas. Segundo analistas, à medida que o País se consolida no cenário internacional e tem uma política externa cada vez mais independente dos EUA, a perspectiva é de que a relação bilateral seja marcada por divergências.
MERCADO
Líderes devem traçar novas alianças comerciais
São Paulo. Em meio a muitos protocolos de intenções e acordos com promessas de cooperação, a visita de Barack Obama, vai ser marcada por uma queda-de-braço comercial com a presidente Dilma Rousseff.
Na avaliação de diplomatas, mesmo que as negociações não redundem em acordos concretos, a visita de Obama tem um efeito colateral de valor incalculável: o marketing em favor do Rio de Janeiro como uma cidade segura o suficiente para o homem mais visado do mundo passear com a família.
Sede das Olimpíadas de 2016 e uma das cidades da Copa do Mundo de 2014, o Rio foi intensamente criticado por conta dos problemas de segurança.
Apesar do intenso aparato de segurança, a imagem que ficará, acreditam os diplomatas, é a do presidente e da família apreciando o Cristo Redentor.
Em artigo publicado no jornal USA Today, Obama diz que a viagem pela América Latina tem o objetivo de "reforçar nossa relação econômica com vizinhos que terão um papel crescente no nosso futuro econômico". Sobre o Brasil, Obama cometeu um erro: destacou que os EUA são o país de onde o Brasil mais importa, mas atualmente a China ocupa esse posto.
Para a presidente Dilma, a visita de Obama vai muito além de um gesto político. Ela costuma dizer que os EUA precisam olhar o Brasil de forma diferente e apresentará a Obama uma "janela de oportunidades".
A expectativa do governo é que Obama tente fazer lobby em favor dos caças F-18 Hornert, da Boeing, na conversa reservada com Dilma. Até a noite de ontem, o único acordo garantido era o Trade and Cooperation Economic Agreement (Teca), que cria uma comissão de alto nível para tratar diretamente dos eventuais problemas comerciais que surjam entre os dois países.
Também estavam adiantadas as parcerias sobre uso pacífico do espaço, sobre transportes aéreos, um memorando de entendimento sobre o desenvolvimento de biotecnologias na agricultura e a parceria para pesquisa sobre biocombustível para aviação.
Um grupo de altos funcionários dos governos do Brasil e dos Estados Unidos será criado a partir da visita de Obama ao País. O objetivo é destravar os negócios, atacando, entre outros, aquele que é considerado o "objetivo supremo" na relação bilateral: a assinatura de um acordo para evitar a bitributação.
Hoje, uma empresa que atue nos dois países paga impostos em ambos e não pode compensar um pelo outro. Esse pode ser um dos poucos resultados concretos da viagem de Obama.
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