Ao votar na ONU contra Ahmadinejad, o Brasil indicou uma diplomacia simpática aos Estados Unidos
Brasil e Irã foram parceiros nos últimos anos do Governo Lula, o que estremeceu relações com os Estados Unidos
O fato de o Brasil ter se posicionado favoravelmente à intervenção do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no Irã para fiscalizar denúncias de violação dos direitos humanos sinalizou uma mudança de postura da política externa do governo Dilma. Segundo especialistas, a medida, ao mesmo tempo que pode gerar incômodos diplomáticos com a nação islâmica, deve colaborar na conquista de vaga permanente no Conselho de Segurança do órgão.
De acordo com a embaixadora brasileira nas Nações Unidas, em Genebra, Maria Nazareth Farani Azêvedo, o voto favorável é coerente tanto com as posições que o Brasil tem defendido no Conselho quanto com a mensagem que a presidente Dilma Rousseff tem dado de que a defesa dos direitos humanos é um elemento central de política interna e externa.
"O Brasil demonstrou que nós favorecemos o diálogo com o sistema e que estamos dizendo a todos os países da ONU que a abertura para receber divisas e dialogar com os mecanismos do Conselho é importante", disse.
Para o professor de Relações Internacionais da Faculdade Oboé, Fabiano Távora, a postura do País no Conselho de Direitos Humanos demonstra que o Governo Dilma não vai mais fazer vista grossa aos crimes praticados pelo ditador iraniano, Mahamoud Ahmadinejad. "O governo Lula teve uma política baseada em alianças a qualquer custo e, para isso, fez acordos até com Ahmadinejad, um ditador que é acusado de ter fraudado as eleições para chegar ao poder. Com Dilma, a postura do País será mais incisiva. A política é que o Brasil precisa ter uma postura internacional, valorizando os direitos humanos", avaliou o professor.
Conselho de Segurança
Távora acredita que o voto a favor não é uma tentativa de reaproximação com o governo dos Estados Unidos em resposta à visita do presidente Barack Obama ao Brasil, na última semana, e muito menos a busca de um apoio a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.
A prova disso, segundo ele, é que o País votou contra os ataques aéreos na Líbia, contrariando o desejo dos americanos. "É uma política de Estado que valoriza os direitos internacionais. Essa posição agrada aos países democráticos, como os Estados Unidos. A aproximação com os Estados Unidos é uma consequência dessa política e não uma causa", analisou.
O professor de Ciências Políticas da Unifor, Francisco Moreira, disse que, embora os EUA tenham comemorado o voto brasileiro, o fato não aponta uma mudança radical na relação entre Brasil e Irã. "Os dois países são aliados confiáveis e isso não vai trazer uma ruptura diplomática. Mas isso pode ampliar o espaço de negociação com países como os Estados Unidos".
A postura também representa, segundo Moreira, que a defesa dos Direitos Humanos é uma questão central do Governo Dilma. "O voto do Brasil é uma coerência com a nova política do País tanto no ponto de vista nacional quanto internacional".
Sanções
Nos últimos 10 anos, o Brasil se absteve em votações que condenavam o Irã ou era contrário a resoluções, como no caso das últimas sanções aprovadas no Conselho de Segurança, em junho do ano passado. Nas abstenções anteriores, na Assembleia-geral da ONU, a alegação brasileira era a de que esse não era o fórum adequado para a discussão. Em 2010, o Brasil aplicou as sanções aprovadas para tentar interromper o avanço do programa nuclear iraniano, mas foi contrário na votação com a justificativa de que as medidas "não eram um instrumento eficaz".
A posição brasileira em relação ao projeto de enriquecimento de urânio do Irã se mantém. Em recente entrevista, o ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, afirmou que as negociações feitas com os iranianos mediadas pelo Brasil e pela Turquia - depois renegadas por EUA e França, entre outros - tinham obtido algum avanço, mesmo que pequeno, enquanto sanções ainda não tinham tido efeito.
A criação de uma relatoria especial para investigar abusos de direitos humanos no Irã não é uma condenação em si, mas chega perto disso. Até hoje oito países passaram por isso, entre eles Sudão, Coreia do Norte e Camboja. No entanto, a avaliação brasileira é que o CDH é o local adequado para essa discussão e a criação de um relator especial, uma medida eficaz.
Até 23 de março, o Brasil ajudou a negociar uma decisão de consenso, em que não fosse necessária a votação nominal. Os entraves eram países como Cuba e Paquistão, que temiam sofrer a mesma inspeção.
COOPERAÇÃO
Ao apoiar Irã, Lula irritou potências
Além da aproximação política, a relação comercial entre Brasil e Irã fortaleceu a economia entre os dois países
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduziu uma campanha diplomática, no período de cerca de um ano antes de deixar o cargo, para mediar a questão do programa nuclear do Irã, o que irritou os Estados Unidos e outras potências ocidentais.
Em seu governo, Lula afirmava que defendia para o Irã o mesmo tratamento que o Brasil queria para si no campo da energia atômica. O ex-presidente apoiava o direito do governo iraniano desenvolver energia nuclear com fins civis.
Por causa disso, o Brasil se envolveu com a Turquia na questão nuclear iraniana e apresentou uma proposta de acordo entre o Irã e as grandes potências para tirar a situação da crise. Em junho do ano passado, Turquia e Brasil votaram contra uma resolução do Conselho de Segurança da ONU apresentada pelas grandes potências e que criava novas sanções econômicas ao Irã pelo controverso programa nuclear.
Parceria
Durante a visita de Ahmadinejad ao Brasil, em novembro de 2009, Lula ressaltou a importância da cooperação entre os dois países nas áreas de ciência e tecnologia, comércio e investimentos. No Governo Lula, o comércio entre os dois países dobrou, alcançando cerca de US$ 2 bilhões.
O Brasil também manteve uma posição branda frente aos crimes contra os direitos humanos praticados pelo Irã. Sob o comando do ex-chanceler Celso Amorim, o País se absteve em uma votação na Organização das Nações Unidas que condenava o apedrejamento no país islâmico.
Logo após o resultado das eleições presidenciais brasileiras, Mahamoud Ahmadinejad manifestou a vontade de manter boas relações entre Irã e Brasil sob a presidência de Dilma Rousseff, em uma mensagem de felicitações à presidente eleita.
"As relações entre Irã e Brasil se desenvolveram nos últimos anos e estou convencido de que sob vossa presidência estas relações continuarão se aprofundando", declarou na época o líder iraniano.
"A cooperação entre a República Islâmica do Irã e o Brasil foi muito boa sob a presidência de Lula e trouxe benefícios apreciáveis a nível bilateral, regional e internacional", destacou.
EXPERIÊNCIA NO PAÍS
Jornalista contesta ´visão preconceituosa´ da mídia
Para jornalista que estudou no Irã em 2006, a imprensa passa "uma imagem fabricada" do país muçulmano
Nem tudo que se vê na mídia sobre o Irã deve ser entendido como uma verdade absoluta. É esta a constatação do jornalista brasileiro Omar Nasser Filho, de 40 anos, que passou três meses no país, na cidade de Qom, próxima à capital Teerã. Segundo ele, grande parte da visão de atraso e injustiça que se tem no Ocidente sobre o país islâmico é fruto de "uma imagem fabricada com base em interesses políticos e econômicos". "A imprensa infelizmente tem capacidade de criar preconceito. A verdade é que o Irã é um país que tem uma civilização milenar e um povo muito religioso. Eles não são bárbaros. Têm suas regras, sua constituição votada pelo povo. O Irã é uma das poucas democracias do Oriente Médio", afirma Omar.
O jornalista destaca que, além de estar localizado numa região que é grande produtora de petróleo e gás, o Irã possui tecnologia suficiente para ter satélite de fabricação própria e domínio da tecnologia nuclear, configurando-se num parceiro interessante para o Brasil. Omar também acrescenta que o Irã "é um país muito seguro" e confessa ter sensação de insegurança muito maior em Curitiba, onde vive no Brasil.
Descendente de libaneses, Omar Nasser Filho foi ao Irã em 2006, para estudar ciências islâmicas no centro universitário de Qom. Nesse tempo de contato com a cultura iraniana, o jornalista diz ter lido muitos jornais publicados no país, em inglês, com matérias que criticavam o governo local.
Sobre os casos polêmicos - como a condenação de morte por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani (acusada de adultério e assassinato do marido), - Omar diz que faz parte das leis do país a pena de morte, com a sentença após um processo, assim como acontece nos Estados Unidos. Segundo ele, o governo iraniano já adiou por várias vezes a execução de Sakineh, o que mostra que o país está mais sensível aos apelos da comunidade internacional do que os Estados Unidos - que "no ano passado condenaram à morte uma doente mental (Teresa Lewis)".
O jornalista vê "com preocupação" o recente alinhamento do Brasil com os Estados Unidos no tratamento das questões iranianas. Omar diz temer um atrelamento automático das posições brasileiras de acordo com os interesses norte-americanos. "Temo que o Brasil volte a se submeter à política externa americana. O que é bom para os Estados Unidos nem sempre é o melhor para o Brasil", diz.
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